Vila
Ressaca, 14 de setembro de 2013.
Carta
de uma sobrevivente urbana. Do Xingu para o mundo,
especialmente aos amigos da minha capital.
especialmente aos amigos da minha capital.
Bem, como não tive tempo de despedir-me dos
mais próximos - e até dos mais longínquos - vou contar-lhes como se deu meu
repentino desaparecimento, deste mundo on-line, marginal e “social”.
Pois bem, depois de seis meses formada, desempregada, procurando rumo
pra eu trabalhar, aguardando promessas e cansada de ser lisa, eis que no dia 10
de agosto de uma manhã de sábado em que o sol escaldava o asfalto, meu telefone
tocou e era uma das minhas amigas - a Luma, a qual estudei na universidade da
vida e acadêmica, na Vigia de Nazaré, me ligou com a seguinte proposta: “Laila, tu queres trabalhar mesmo? Arrumei
uma vaga pra ti aqui pra Altamira...”. E eu , no meu desespero em sair
dessa somatória dos maiores problemas sociais que o país enfrenta a séculos,
respondi na maior certeza que sim. E em seguida veio uma voz mais séria e
rígida do outro lado da linha: “ Tu tens
certeza?” E eu dei uma pausa curta
já com receio , respondi amedrontada: “Por
quê mana, qual o papo?” ...e depois de um pequeno suspiro, ela que já
estava confinada há pelo menos suas semanas em uma colônia à umas 3 horas de
Altamira, disse o seguinte: “Mana, é
interior né?! Energia elétrica é difícil, educação precária, quadro a giz,
gente muito humilde, um monte de outros problemas, né mana?!” E eu na ânsia por um trampo o quanto antes,
dei a certeza que eu queria e precisava trabalhar o quanto antes. Aí, por
último perguntei se valia à pena. Ela disse que sim, afinal éramos solteiras,
sem pinto pra sustentar, além da
experiência que teríamos no nosso currículo, e o quanto iríamos ajudar as
pessoas (até então não tínhamos experiências além dos nossos estágios
obrigatórios). Foi então que decidi que eu ia nessa missão. A Luma então, pediu pra que eu fosse comprar a passagem logo
para Altamira e de lá alguém iria me levar até a Vila Ressaca - o destino o
qual eu viria. E... aqui estou! Completando um mês, trabalhando de segunda a
sexta, ministrando aulas de Língua Portuguesa durante três turnos, da 5º à 8ª
série, ( ou do 6º ao 9º ano do ensino fundamental).
A Ressaca é bem pequena e é uma vila do
município de Senador José Porfírio. Está localizada à mais ou menos 80km da
cidade de Altamira. Há duas opções para chegar até a Vila: voadeira ou
carro. Pela voadeira, são duas horas de
viagem e os horários são limitados, também não tem viagens todos os dias e a passagem é 40$. Pela
estrada, gasta-se uma hora e trinta minutos e o acesso somente em carros
particulares, pois não há outra opção de condução.
O nome da comunidade se deu pelo
canal encurvado em forma de "U" com um baixo nivelamento da água, que segundo os
moradores antigos, é um “desvio” do Xingu que forma uma ressaca. A Vila foi
inicialmente habitada por garimpeiros que vieram de outros estados ou
de cidades próximas com a intenção de trabalhar por aqui. Segundo os mesmos, a Ressaca já foi mais povoada e mais agitada, e infelizmente não é mais, pois todos os garimpos da região foram
fechados e por isso grande parte da população foi embora. Hoje, há uma média
de 200 a 300 moradores. Esse trecho do rio está condenado pela hidrelétrica de Belo Monte, que vai secá-lo com a construção de um canal de 100 quilômetros, o qual criará um atalho reto entre uma ponta e a outra da Volta Grande, até chegar à boca da usina.
É um lugar desses bem interioranos
mesmo, com aqueles quintais imensos, cheios de árvores e animais por todo
canto. A energia foi uma das minhas surpresas, pois aqui somente por meio de geradores
motores. As casas são bem simples, de madeira, algumas com telhas brasilite, outras são cobertas por palhas. E todas as pessoas se conhecem e são compadres
e comadres umas das outras. hehehe
Tive
sorte de pelo menos ter sinal de telefone à beira do Xingu, que é onde o
celular tem área e fica a uns 400m da casa que eu moro. Por isso, se algum
amigo aí, tentou ligar e deu caixa postal, tá explicado o motivo. A internet
idem. Mas na casa em que estou morando, tem telefone fixo. Então galera, por
favor me liguem tocarenteprecisandodevocês (aos finais de semana, que é quando
tenho tempo.)
Tô alojada bem em frente da escola aonde
eu trabalho, na casa da diretora, a dona Rosinele. Uma pessoa super gente fina e muito receptiva. Tenho um quarto só pra mim, e na casa moram ela, o marido dela o seu Birica e os filhos, o Jhonatan, o Alan e a Rita.
E mais uns bichinhos os quais tem me deixado encantada: uma arara, um louro,
três cachorros, dois gatos, um jabuti e um monte de galinhas doidas.
No mais, acredito que consegui explicar meu
sumiço. Um grande abraço em todos e antes que eu me esqueça, tenho aprendido
muito por aqui, todos os dias. Não tô feliz, mas tô sobrevivendo. Busco ficar
tranquila pra não pirar, porque só eu sei das dificuldades sentidas aqui. To
tentando aprender com tudo e todas as pessoas aqui. Tenho sentido muita falta de
qualquer coisa em Belém. O sofrimento tem sido necessário e muito valorizado por
minha pessoa, mais do que tudo.
Vou ficando por aqui. Um cheiro
forte de priprioca e até a próxima.
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