sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Hora da agonia/

Era todo dia ao meio dia em ponto, que o amor nascia. E morria precisamente às quatorze horas e cinco minutos ( estourando ).Bem no meio daquele sol filho da puta, capaz de desintegrar qualquer ser vivo...


O amor nascia entre lençóis e panelas, entre poeira e comida, com hora marcada. Almoçávamos um ao outro. Era o único tempo que nos era cedido. Trabalhávamos feito loucos. Com uma única hora livre sendo a do almoço a qual não podíamos ultrapassar.

Eu saia do Hilton hotel, atravessava a Presidente Vargas em direção a Ó de Almeida.
Ele saía no mesmo ritmo do tribunal de justiça. Quase sempre nos encontrávamos no canto da Assis de Vasconcelos para descermos juntos até o nosso 'restaurante sacralizado'.

O lugar, era um desses casarões antigos e abandonados pelo governo do estado e sem qualquer previsão de recuperação ( pra nossa sorte ).
O 'meu cozinheiro', era quem chegava primeiro, pois eu sempre me atrasava para sair do hotel. Às vezes eu tinha que prestar a conta dos hospedes da manhã e tinha que ser antes do almoço...
Ele, como bom advogado criminalista, (que parecia ser) era mais eficiente e não tratava de se atrasar , bem assim como bom homem faminto.
Assim que eu chegava, ele já estava de pau duro, pronto pra me devorar e revigorar minhas forças de mulher e gerente de hotel.
Cozido! Era o almoço daquela hora de agonia.
Deleitávamos entre caldos, entre pernas, salivas e batatas. Mastigávamos ferozmente os nervos entre nós. O chuchu, a abóbora e o repolho daquele molho ardente de pimenta paraense era o que nos fazia delirar naquele almoço.
Sempre terminávamos sem lenços para limpar nossos lábios ensebados. E aquele dia, não foi diferente.
Nos perdíamos e nos encontrávamos...
Mas no bom do gozo e quando a felicidade suprema nos tinha chicoteado, era quando nosso tempo acabava.
Já dava a hora, o 'intervalo do almoço' acabou!
Saem os dois satisfeitos.
Da vida dele eu tão pouco sabia. Ele, da minha, nem se atrevia...

Um comentário:

  1. Premiado bienal de artes em 2010 com muito louvor. O texto é lindo, inspirador e inescrupuloso.

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